A angústia é mola propulsora. Foi o que me disse minha analista na última sessão, após eu ter falado sobre as inquietudes que atravessam minha produção artística. Não se tratava, no entanto, de uma conversa sobre arte e música, mas sobre a desorientação inerente ao ato de criar. Uma desorientação que, para mim, é constitutiva da criação artística. Algo na relação entre o desejo e objeto inquieta.
Às vezes, tenho a sensação de que produzimos arte sem saber exatamente por quê. Frequentemente, tampouco sabemos como. Claro, sempre conseguimos articular alguma explicação técnica, afetiva ou estética, mas ela serve mais para disfarçar o fato de que o processo criativo escapa à razão, foge ao nosso controle.
Afinal, foi Debussy quem disse isso:
“Je ne sais pas comment je compose. Au piano ? Non, je ne peux pas dire cela. Je ne sais pas comment l’expliquer de façon précise. J’ai toujours pensé que nous autres musiciens ne sommes que des instruments, des instruments très compliqués, il est vrai, mais des instruments tout de même, qui ne reproduisent que des harmonies innées en nous. J’ai la conviction qu’aucun compositeur ne sait vraiment comment il s’y prend.”
“Não sei como componho. Ao piano? Não, não posso dizer isso. Não sei como explicar de maneira precisa. Sempre pensei que nós, músicos, somos apenas instrumentos — instrumentos muito complicados, é verdade, mas ainda assim instrumentos — que apenas reproduzem harmonias inatas em nós. Estou convencido de que nenhum compositor sabe realmente como faz o que faz.”
Talvez ele só estivesse com o saco cheio do repórter do New York Times que não desgrudava do seu pé em 26 de junho de 1910, há exatos cento e quinze anos atrás, em relação a qual, em 2017, escrevi um artigo delirante logo aqui.
De certo modo, e aqui em contraste com a ideia de sublimação em Freud, com os limites energéticos que esta impõe ao que pode ou não ser convertido em obra, parece-me que o desejo se confunde com o próprio objeto de arte. Criar implica certa perda, uma desorientação temporária, como se estivéssemos tateando no escuro depois de exaurir uma potência que nos movia. A criação exige de nós aquilo que constantemente nos falta: fôlego, clareza, sentido. E mesmo assim, quando a obra acontece, ela é conquista viva, torna-se expressão vivente que, ante uma expectativa romântica, quase caminha por si só.
O exemplo mais comum é o branco da página para o escritor; o verso interrompido, ainda frágil, para o poeta; ou mesmo aquela opacidade dos objetos que desejamos abordar artisticamente, mas que se esgotam diante do nosso olhar, do nosso sentir. Penso em quantos projetos meus ficaram inacabados — e não por falta de tempo ou disciplina, mas porque, paradoxalmente, a própria intensidade emocional que os animava os fez cessar de repente, como uma chama que consome tudo ao redor e logo se apaga. Sempre me veio à mente, nessas horas, aquele verso atribuído a Nāgārjuna:
“Assim como uma vela queima, consumindo-se no processo e, ao se apagar, deixa apenas cinzas, o eu também é apenas um fluxo de causas e condições interdependentes. Não há um agente fixo por trás do agir, nem uma essência que subsista além da mudança.”
É claro que nossos estados psíquicos, afetivos, o entorno social e as urgências pessoais influenciam diretamente o que fazemos ou deixamos de fazer. Mas estou falando de outra coisa. Refiro-me àquelas emoções que transbordam, que vazam pelos poros e ganham forma imediata em algum gesto artístico — mas que, à medida que tentamos lapidá-las, dissipam-se. Como se a energia bruta, ao ser manipulada, perdesse sua densidade.
Por isso, em outro artigo, falei em “solavancos poéticos” que me leva a escrever poesia. Lembro, especialmente, daquele comentário ácido de Mário de Andrade sobre Villa-Lobos: que ele era um “grande compositor de primeiras ideias”. Queria dizer que suas ideias iniciais eram geniais, mas logo perdiam vitalidade. Uma observação talvez injusta, mas com algum fundo de verdade. Villa-Lobos frequentemente nos arrebata nos primeiros minutos. Depois, resta a pergunta: por que a música perdeu força?
Se a angústia é a mola propulsora, talvez esteja aí uma resposta: nossa angústia fecha a cara para nós; é uma convidada que gosta de se furtar aos encontros, enquanto tentamos nos aproveitar dela para conter suas artimanhas e influências perturbadoras.
Quanto a isso, lembro-me de, em 2010, levar ao consultório da minha terapeuta da época uma angústia enorme relacionada à minha trajetória como compositor contemporâneo. Ela percebeu em mim uma espécie de desqualificação intencional, uma menosvalia cultivada, e sugeriu que eu imprimisse meus rascunhos musicais armazenados no HD do meu antigo PC de torre, para que eu me apropriasse das minhas próprias criações. O efeito foi devastador. Naquele momento, imprimi cerca de 950 páginas! Eram páginas e páginas de músicas inacabadas e rascunhos. Conversando depois com amigos sobre esse episódio, muitos confessaram ter um número semelhante de obras nunca editadas ou levadas adiante.
Mas por que será?
Sigo desconfiando da angústia; ou, mais precisamente, da patada que recebemos do superego, que tanto nos impede quanto nos empurra a fazer as coisas de certo modo e não de outro. Seria aquilo que minha avó dizia — e também minha mãe — de que eu era perfeccionista demais, e por isso, às vezes, as coisas não aconteciam como eu queria.
Talvez sim, talvez não. Pouco importa.
O que importa é que a criação continua envolta por uma certa aura de mistério e perplexidade. Entender os meandros do processo que nos leva a expressar afetos em forma de obra é tarefa complexa demais; e talvez seja melhor deixá-la de lado enquanto ainda estamos criando alguma coisa.